Icona maronita della Pentecoste

O DOMINGO DE PENTECOSTES E A NOSSA SEGUNDA FEIRA

Houve Tarde e Manhã
15 min readMay 24, 2021

Uma reflexão bíblico-pastoral sobre a vocação da Igreja

“‘Eis que dias vêm, diz o Senhor, em que farei uma nova aliança com a comunidade de Israel e com a comunidade de Judá’. ‘Não será como a aliança que fiz com os seus antepassados quando os tomei pela mão para tirá-los do Egito; porque quebraram a minha aliança, apesar de eu ser o Senhor deles’, diz o Senhor. ‘Esta é a aliança que farei com a comunidade de Israel depois daqueles dias’, declara o Senhor: 'Porei a minha lei no íntimo deles e a escreverei nos seus corações. Serei o Deus deles, e eles serão o meu povo. Ninguém mais ensinará ao seu próximo nem ao seu irmão, dizendo: ‘Conheça ao Senhor’, porque todos eles me conhecerão, desde o menor até o maior’, diz o Senhor. ‘Porque eu lhes perdoarei a maldade e não me lembrarei mais dos seus pecados’.” Jeremias 31.31–34

Ontem (23/05) foi o domingo de Pentecostes, 10 dias após a ascensão (13/05) e 50 dias após a celebração judaico-cristã mais importante, a Páscoa (04/04). O Pentecostes é uma dentre as várias festas judaicas instituídas na Lei que servem para manter viva no povo a memória dos atos históricos de Deus e as origens de Israel. Nessas festas se relembra, revive, re-encena e ensina às novas gerações o que Deus fez em seu favor no passado, reafirmando não só o que aconteceu aos seus antepassados, mas a identidade do povo judeu. A festa de Pentecostes (ou das semanas/shavuot, das colheitas ou das primícias) é marcada pela gratidão, pois se festeja/lembra o dom da Lei no Sinai, isto é, o estabelecimento da aliança por pura graça de Deus (Lv 23.15–22; Dt 16.9–12). Amizade com Deus, obediência a vocação de Israel e gratidão pela graça de Deus, todos princípios celebrados no Pentecostes judaico e que servem de princípios norteadores da vida cotidiana dos celebrantes. Ninguém festeja no domingo dizendo que faz parte de um povo sacerdotal, é amigo de Deus e o é pela graça de Deus e vive a segunda feira como qualquer outra pessoa, a não ser que não creia de verdade no que celebrou. A espiritualidade muda a cotidianidade.

Em Atos 2 o que aconteceu foi um evento de proporções cósmicas no mesmo dia da festa das semanas. Ou seja, há uma apropriação e ressignificação do Pentecostes. Nessa ressignificação, não é Moisés que sobe o monte Sinai para trazer o dom da lei e instituir a aliança com Israel, mas é Cristo que ascende aos céus para trazer o dom do Espírito Santo (aquele que nos faz obedecer a Lei — Ez 36.27; e por meio de quem a Lei é posta no coração — Jr 31.31–34), a terceira pessoa da Trindade, isto é, instituir a nova aliança com o Israel de Deus. Todo aquele/a que foi batizado/a com o Espírito foi inserido no povo da nova aliança, passou a desfrutar de uma nova relação com Deus e recebeu uma vocação intransferível. Ninguém festeja no domingo reafirmando essa identidade e vive a segunda feira como se nada tivesse mudado, a não ser que... presumo que você já entendeu.

Minha proposta é estudar alguns significados do Pentecostes cristão e como eles mudam totalmente a forma como vivemos nossa espiritualidade e nosso dia a dia. Para isso, vamos voltar a Gênesis 11, o “início" de Atos 2.

A HISTÓRIA DE BABEL

Na criação, Deus havia dado uma ordem à humanidade (Gn 1.28) e, após o dilúvio, ele refaz essa ordem e a entrega aos descendentes de Noé: “sejam férteis e multipliquem-se; espalhem-se pela terra e proliferem nela” (Gn 9.7). Essa ordem parece ser obedecida, dando origem às nações, como mostra o fim da narrativa sobre esta descendência: “São esses os descendentes de Sem, conforme seus clãs e línguas, em seus territórios e nações. São esses os clãs dos filhos de Noé, distribuídos em suas nações, conforme a história da sua descendência. A partir deles, os povos se dispersaram pela terra, depois do Dilúvio” (Gn 10.31–32). Apesar disso, “no mundo todo havia apenas uma língua, um só modo de falar” (Gn 11.1). Entretanto, um grupo decidiu contrariar a ordem de YHWH.

“Saindo os homens do Oriente, encontraram uma planície em Sinear e ali se fixaram. Disseram uns aos outros: “Vamos fazer tijolos e queimá-los bem”[1]. Usavam tijolos em lugar de pedras, e piche em vez de argamassa. Depois disseram: “Vamos construir uma cidade, com uma torre que alcance os céus. Assim nosso nome será famoso e não seremos espalhados pela face da terra. O Senhor desceu para ver a cidade e a torre que os homens estavam construindo. E disse o Senhor: “Eles são um só povo e falam uma só língua, e começaram a construir isso. Em breve nada poderá impedir o que planejam fazer. Venham, desçamos e confundamos [2] a língua que falam, para que não entendam mais uns aos outros”. Assim o Senhor os dispersou dali por toda a terra, e pararam de construir a cidade. Por isso foi chamada Babel, porque ali o Senhor confundiu a língua de todo o mundo. Dali o Senhor os espalhou por toda a terra.” Gn 11.2–9

Buscando a fama e o prazer contrário a vontade de Deus, algumas pessoas se uniram, se fixaram como cidade (à semelhança de Caim, cf. Gn 4.17) e construíram um Zigurate [3]. Eles desobedeceram a Deus, querendo manipular a ele e as pessoas para conquistarem glória para si mesmos. Conquistar algo de Deus para si, esse era o objetivo. Comunhão em benefício próprio. Orgulho. Poder. Essa é a espiritualidade da autopromoção. Manipular Deus, para conquistar algo entre as pessoas.

Faça-se justiça, um dos seus objetivos foi alcançado: eles conseguiram chamar a atenção de Deus. Ironicamente, Deus realmente desce até a cidade, como era esperado, mas não como quem é manipulado, não para abençoar, mas para fazer acontecer a sua vontade soberana. Deus vem contra aquela comunhão desobediente e orgulhosa, apesar de (ou exatamente por) reconhecer a capacidade humana de fazer o improvável quando estão unidos. Ele os deu diferentes línguas, causando confusão e divisão por meio das quais sua ordem aos descendentes de Noé foi cumprida. Deus não se deixou manipular, ele mesmo efetivou a sua vontade e envergonhou os orgulhosos, como sempre.

Mas a história não acaba com o juízo, ela continua com esperança. Assim como algumas séries do nosso tempo, ela tem 2 finais alternativos. O primeiro é o oposto de Babel, uma resposta imediata a ela, e está em Gn 12.

O OPOSTO DE BABEL

“Então o Senhor disse a Abrão: “Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei. “Farei de você um grande povo, e o abençoarei. Tornarei famoso o seu nome, e você será uma bênção. Abençoarei os que o abençoarem, e amaldiçoarei os que o amaldiçoarem; e por meio de você todos os povos da terra serão abençoados”. Partiu Abrão, como lhe ordenara o Senhor” Gn 12.1–4a

O chamado de Abrão é o exato oposto de Babel. Deus é quem toma a iniciativa, escolhe e chama Abrão, não para se fixar como cidade, mas para sair do seu lugar e se pôr a caminhar com o Senhor. Assim, o próprio Deus o daria descendência (milagrosamente), benção e fama, tornando o próprio Abrão um presente de Deus para todos aqueles que haviam sido espalhados no capítulo anterior. Ou seja, a benção divina não é conquistada pelo esforço e glória humanas, mas é fruto da graça de Deus.

Abrão nem abriu a boca, simplesmente se submeteu a ordem e obedeceu a Deus, reconhecendo a graça dele, confiando nele e tornando-se, assim, a própria provisão graciosa e a benção divina as pessoas. Por fim, o Deus desceu até Abrão que, então, construiu dois altares “dedicados a YHWH” próprios para “invocar o nome de YHWH” (Gn 12.7–9). Adoração para a glória de Deus. Obediência para o bem de todos. Gratidão. Humildade. Serviço. Essa é a espiritualidade da gratidão. Adorar, agradecer e obedecer a Deus e abençoar outras pessoas.

Façamos uma pausa aqui para meditar. Você e eu devemos estar atentos para saber que tipo de espiritualidade estamos alimentando. Que tipo de vida estamos vivendo. Que religião estamos praticando. Construímos templos, nos reunimos, fazemos encontros, cantamos músicas, oramos, entre outras coisas, tentando manipular a Deus para nos favorecer impondo nossa vontade e conquistando nossos desejos avarentos? Vivemos uma vida autocentrada em busca de manipular Deus e conquistar algo do outro ou uma vida altruísta que reconhece a graça de Deus, sua soberania e nossa vocação de ser benção para o outro? Por exemplo, no posicionamento político no Brasil, ou na opinião pública sobre a guerra Israel-Palestina, temos militado pela manutenção da injustiça, pela divisão e pela violência ou pela denúncia da injustiça, pelo perdão e pela comunhão? Nas discussões familiares, nos dilemas eclesiásticos, na forma de lidar com os colegas de trabalho…

Ou usamos a religião de forma colonizadora ou libertadora, ou seguimos Babel ou Abrão, ou nos orientamos por manipulação, conquista e egoísmo ou obediência, gratidão e generosidade, essas são formas distintas de viver a espiritualidade e de orientar o dia a dia. Suspeito que boa parte dos evangélicos no Brasil vivem sob o paradigma de Babel. E eu e você, querido/a leitor/a? Perceba: o espiritual e o social, a espiritualidade e a cotidianidade, o domingo e a segunda-feira estão interligados.

Acabamos de meditar no primeiro final alternativo para Babel. Mas há, na Bíblia, pelo menos, mais um. Ele é a reversão de Babel, uma resposta tardia, e está em Atos 2.1–11, o texto mais importante para nós hoje.

A REVERSÃO DE BABEL

“Chegando o dia de Pentecoste, estavam todos reunidos num só lugar. De repente veio do céu um som, como de um vento muito forte, e encheu toda a casa na qual estavam assentados. E viram o que parecia línguas de fogo, que se separaram e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito os capacitava. Havia em Jerusalém judeus, tementes a Deus, vindos de todas as nações do mundo. Ouvindo-se este som, ajuntou-se uma multidão que ficou perplexa, pois cada um os ouvia falar em sua própria língua. Atônitos e maravilhados, eles perguntavam: “Acaso não são galileus todos estes homens que estão falando? Então, como os ouvimos, cada um de nós, em nossa própria língua materna? Partos, medos e elamitas; habitantes da Mesopotâmia, Judéia e Capadócia, Ponto e da província da Ásia, Frígia e Panfília, Egito e das partes da Líbia próximas a Cirene; visitantes vindos de Roma, tanto judeus como convertidos ao judaísmo; cretenses e árabes. Nós os ouvimos declarar as maravilhas de Deus em nossa própria língua!” At 2.1–11

Assim como em Babel, um grupo de pessoas está reunido, fixado “na cidade”, mas agora em obediência a ordem de Jesus (cf. Lc 24.49, At 1.4) e por tempo limitado, até que “receba poder do alto”/”seja batizado com o Espírito Santo” e possa continuar o caminho de Jesus, indo em todas as nações tornar, não o seu próprio nome, mas o nome de Cristo famoso, por meio da pregação e do testemunho (cf. Lc 24.47–48, At 1.8). Essa era uma comunhão para a glória de Deus e o bem do outro. Essa é a espiritualidade altruísta (e missionária), espiritualidade do caminho (ideia tão cara a Lucas).

Diz o texto que, nesta ocasião, “havia em Jerusalém judeus [de origem e convertidos] vindos de todas as nações do mundo”. Então Deus desce até aquele grupo de descendentes de Abraão em Jerusalém e repete o que fez em Babel, distribui línguas para que a humanidade se espalhe pela terra mais uma vez, mas, agora, para reverter o dano de Babel. Ou seja, para cumprir sua vontade soberana de reunir gente de todo povo, língua e nação no povo da Aliança, sua santa família. Ele vem em favor daquela comunhão obediente por reconhecer a potência humana de fazer o impossível quando estão unidos e empoderados pelo Espírito (o responsável, na Trindade, pelo ministério da comunhão). Desse modo, Cristo e seus discípulos cumprem a promessa feita a Abrão de ser bênção para todas as nações. Esse cumprimento começa por Jerusalém (em At 2.1–11), passa por Samaria (em At 8.1, 5, 14–17) e por Cesaréia, que é região da Judeia, (em At 10.44–47), chega no império romano, chamado de confins da terra por Lucas [4], (em At 19.4–6; 20.1-5; 26.20; 28.23, 30-31), e continua até hoje, terminando somente no dia da volta de Cristo. [5]

O Deus que julgou o mundo em Babel e espalhou as pessoas, fez de seus escolhidos (Abraão, Israel, Jesus e a Igreja) benção e esperança enviados ao mundo disperso. Agora a Lei e o Reino podem chegar a todas as nações. Deus está reunindo, por meio da Igreja espalhada pelo mundo em missão, a família humana espalhada pelo mundo por juízo. Deus está resgatando Sua família por meio de mim e de você. Façamos uma segunda pausa aqui.

Deus deu dons à Igreja por meio do Espírito. Nossos dons se tornaram ornamentos para glória pessoal ou instrumentos para o crescimento do outro e glorificação a Deus? Nossos encontros como igreja têm promovido adoração verdadeira a Deus e movimentos missionários e altruístas? Temos sido testemunhas de Cristo caminhando em missão pelo mundo para exaltação do seu nome ao invés do da igreja? Onde nossos recursos (financeiros, intelectuais, humanos, emocionais…) têm sido investidos? Nossa religião é uma celebração da graça e manifestação da generosidade de Deus com o outro, ou mais um discurso reafirmando o mérito, o individualismo, o egoísmo e a avareza? Temos usado o discurso religioso como instrumento de promoção de união e reconciliação entre as pessoas ou de divisão? Nós precisamos abandonar as lógicas Babilônicas e assumir as lógicas do Espírito que sopra vida e impulsiona a caminhada dos escolhidos/enviados de Deus.

Para concluir esse diálogo, quero somente esclarecer três imagens que Lucas usa em Atos 2 que elucidam o texto e que amarram bem toda nossa conversa.

TRÊS IMAGENS QUE VÃO MUDAR A SUA SEGUNDA FEIRA

A primeira imagem é a que o próprio pentecostes relembra: a doação da lei no Sinai. Assim como Deus desceu do céu e se fez presente de forma visível, com barulho e com “chamas de fogo”, no Sinai diante do povo reunido (Êx 19.9,18); Deus desceu e fez o mesmo naquela casa em Jerusalém, no Pentecostes cristão. Assim como Deus fez no Sinai, no Pentecostes cristão ele está separando um povo como seu “tesouro pessoal dentre todas as nações”, “um reino [para Deus] de sacerdotes e uma nação santa” (Êx 19.4–6). Essa linguagem aparece também outras vezes quando se trata do tabernáculo ou do templo. A santa e gloriosa presença de Deus (mediada por fogo) descia e enchia o tabernáculo (Êx 40.34–38) e o templo (2 Cr 7.1) [6]. Após a presença de Deus ter deixado o templo, o povo judeu aguardava o retorno barulhento do Deus de Israel para encher o templo com sua glória e viver entre eles permanentemente (Ez 43.1–9). “A glória deste novo templo será maior do que a do antigo’, diz o SENHOR dos Exércitos. ‘E neste lugar estabelecerei a paz’, declara o SENHOR dos Exércitos” (Ag 2.9).

A partir dessa primeira imagem, podemos concluir que cada um daqueles que são batizados pelo Espírito Santo se tornam Templo para Deus, afinal, o fogo estava havia descido e estava sobre cada uma daquelas pessoas em Atos 2. A presença do Espírito é a presença de Deus (cf. Sl 51.11). Os batizados (e a Igreja formada por eles) são o novo Templo onde habita a presença gloriosa e santa de Deus. Junto a isso, não mais somente judeus, mas também gentios e toda e qualquer pessoa ou nação passam a fazer parte da aliança, desde que tenham se tornado templo de Deus. Não mais como lugar de visitação, mas de habitação permanente de Deus. Nós somos mediadores da presença de Deus. Os batizados são povo da aliança, povo santificado por Deus e que deve viver em santidade e fidelidade a Deus. Tesouro pessoal de Deus e reino de sacerdotes para Deus. Onde você chega, Deus chega!

A segunda imagem é a do culto celestial, que está presente em alguns textos apocalípticos judaicos do período intertestamentário que servem de pano de fundo para o Novo Testamento. Ressalto aqui o exemplo de 1 Enoque. O visionário é levado ao trono de Deus e vê um muro rodeado com “línguas de fogo” e, continuando a leitura, há fogo nos umbrais, no solo e debaixo do próprio trono (1 Enoque 14) [7]. Então, podemos concluir que assim como nós estamos no céu por meio de Cristo, Cristo está na terra conosco por meio do Espírito. Assim como eram vistos os templos pelos judeus, cada um dos habitados pelo Espírito se tornaram portal/elo entre céu e terra. Representantes do reino e da vida celeste na terra, e representantes dos clamores e da adoração da terra no céu. Ao se apropriar dessa imagem e colocá-la no contexto de missão, Lucas nos diz que não existe adoração cristã sem missão, espiritualidade sem cotidianidade, relação com Deus sem relação com o próximo. Deus quer que o céu desça a terra e não que nós sejamos tirados dela (Mt 6.10, Ap 21.2). Onde nós chegamos, o céu chega junto!

Ou seja (e aqui está a terceira e última imagem), nós somos o que Jesus era, por isso somos seus representantes e nossa missão é uma extensão da sua (Lc 24.46–49). Nós somos as mãos e pés de Jesus na terra. Assim como aconteceu com a Igreja em Atos 2, o Espírito Santo havia descido do céu sobre Jesus ungindo-o para seu ministério (Lc 3.21–23, 4.18–19, também sobre Maria Lc 1.35). A descida do Espírito Santo no AT servia para capacitar alguém para uma obra, especialmente a profecia (1 Sm 19.20–23; Ez 11.1–4). Seguindo essa linha, “a descida do Espírito “sobre” as pessoas ocorre nos dois textos programáticos mais importantes [das obra] de Lucas (Lc 4.18; At 2.17,18)” [8], capacitando essas pessoas (Jesus e sua Igreja) para serem profetas de Deus (cf. At 2.17–18) e representantes de Cristo. Onde a Igreja chega, Jesus chega!

Deus é gracioso e, por sua graça, faz toda e qualquer pessoa que crê em Jesus e recebe o Espírito Santo seja inserida no povo da aliança, um povo que é amigo de Deus. Esse povo tem uma vocação de caminhar com ele, de representá-lo no mundo e representar o mundo diante dele. Onde esse povo vai, Deus vai. Onde esse povo chega, o céu chega. Onde esse povo toca, Jesus toca. Isso só é possível pela graça de Deus que deu o Espírito que promove vida ao povo e o impulsiona em seu caminho. É a Igreja desfrutando da comunhão da Trindade.

Quando esse povo se submete a Deus e permanece em amizade com ele, Cristo é revelado ao mundo em seus discursos e suas ações, a família de Deus cresce e a criação é restaurada. O Espírito Santo gera vida e empodera para a missão, isso que lembramos no Pentecostes. Gratidão, generosidade e responsabilidade são os valores que dirigem esse povo. Se você faz parte desse povo, essa é a oportunidade que você tem de analisar sua vida cotidiana e sua espiritualidade e refazer seus caminhos; é a oportunidade de enxergar a segunda-feira como o privilégio extraordinário de construir uma nova história e um novo mundo ao lado de Deus. Se o Pentecostes mudar a sua agenda no domingo, mas não mudar a sua segunda-feira, eu não sei o que vai.

“O Espírito desceu. Então, parem de olhar para cima e comecem a olhar para frente! Bem vindo/a à segunda-feira.” (paráfrase livre de At 1.10–11)

NOTAS

[1] Algo que não explorei no artigo mas é relevante é que, possivelmente, essa menção aos tijolos soasse aos primeiros leitores/ouvintes como uma associação a violência provocada pelo poder egípcio (cf. Êx 1.14; 5.7–19), enfatizando assim a crueldade desse grupo desobediente.

[2] Aqui aparece Deus falando “consigo mesmo” no plural e, em uma leitura apressada, se interpreta que ele está falando com a Trindade. Mas isso não acontece em nenhum outro lugar das Escrituras e não seria no Antigo Testamento (a Bíblia Hebraica) que isso aconteceria. Aqui (como em Gn 1.26) sugiro que leiamos como um plural majestático ou um direcionamento ao concílio divino (ou, como aparece no Salmo 82, “assembleia dos elohim”). A segunda hipótese faria todo sentido ao associar o texto de Gn 11, que fala das origens das nações, com Dt 32.8, que associa os “filhos de Deus” (expressão veterotestamentária para seres angélicos e semelhantes) à divisão das nações. Para saber mais sobre concílio divino veja este estudo introdutório aqui.

[3] Construção religiosa semelhante às pirâmides, que era feita ao lado dos templos para chamar a atenção dos deuses para eles abençoarem aqueles que iam para o templo exaltar o nome da divindade.

[4] A expressão “confins da terra” aparece em dois outros lugares na obra Lucana, além de At 1.8. Primeiro em Lc 11.31 se referindo ao Sul de onde veio a rainha, provavelmente o que os gregos chamavam nesta época de Etiópia, região ao sul do Egito, considerada extremo sul do mundo conhecido. Segundo em At 13.47 se referindo aos lugares que Paulo iria pregar, ou seja, na extensão do império romano. Mas é importante ressaltar que esse texto cita Is 49.6 que está seguindo o uso comum ao longo do livro se referindo a todo o mundo conhecido (cf. 45.22; 52.10). Portanto, por mais que seja comum o uso restrito do termo “confins da terra”, e, em Atos, provavelmente se trata de Roma (cf. 28.23, 30–31) vendo, assim, At 1.8 como esboço do livro, podemos facilmente aplicar o termo “confins da terra” para literalmente todos os povos quando falamos da continuidade da missão hoje.

[5] Outra possibilidade de esboço do livro que creio ser pertinente, dentre as que encontrei, é a proposta por Carlos Mesters e Francisco Orofino no livro que serve de guia para meditações em grupo: Pé no chão, sonho no coração. O esboço também é geográfico e segue com Jerusalém (1–7), Samaria, Judeia e África (8), Síria (9–12), Chipre e Ásia (13–14), Grécia (16–21), Roma e os confins da terra (24–28), sendo essa subdivisões da estrutura maior que é Igreja da Circuncisão ou dos Doze, representada por Pedro (1–12), “dobradiça" (13–15) e Igreja dos Gentios ou dos Sete, representada por Paulo (16–28).

[6] Um ponto importante e não explorado é que, assim como na consagração do templo (2 Cr 7.1), tanto no batismo de Jesus (Lc 3.21–22), como no Pentecostes cristão (At 1.14), o Espírito desce de repente, mas dentro de um contexto de oração.

[7] Confira os textos de Kenner Terra sobre o tema neste artigo em seu blog, aqui, neste artigo científico, aqui, ou no último capítulo de seu livro Experiência e Hermenêutica Pentecostal.

[8] KEENER, Craig. Comentário Histórico Cultural da Bíblia: Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, p. 420, 2017.

Este artigo é baseado na pregação que fiz no domingo de Pentecostes na minha igreja. Você pode assistir a pregação aqui.

Davi Ramos Bahiense. Bacharel em Teologia pela FTSA e pastor na Igreja Evangélica Nazareno de São José dos Campos.

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